2007/04/27

CONVERSAS em BLOCO | media : liberdade de informação?

CONVERSAS EM BLOCO
media : liberdade de informação

dia 27042007 às 21h30, na EB2,3 de Miranda do Corvo
Intervêm na conversa : Carlos Ferreira (Mirante), José Maria Silva (Rádio Dueça) e Júlia Correia.

CONVERSAS EM BLOCO | media : liberdade de informação? (A)

Segue o texto "O Quinto Poder" de Ignacio Ramonet como documento introdutório provocatório para mais uma das conversas em bloco :

O QUINTO PODER

Contra os abusos dos poderes, a imprensa e os meios de comunicação social foram, durante longas décadas, no âmbito democrático, um recurso dos cidadãos. Com efeito, os três poderes tradicionais - legislativos, executivos e judiciais - podem falhar, enganar-se e cometer erros. Muito mais frequentemente, é certo, nos Estados autoritários e ditatoriais, onde o poder político é o responsável central de todas as violações dos direitos humanos e de todas as censuras contra as liberdades.

Mas, também nos países democráticos, graves abusos podem ser cometidos, embora as leis sejam votadas democraticamente, os governos resultam do sufrágio universal e a justiça - em teoria - seja independente do executivo. Por exemplo, basta que esta condene um inocente (como esquecer o processo Dreyfus, na França?); que o Parlamento vote leis discriminatórias, em relação a certas categorias da população (foi o caso nos Estados Unidos, durante mais de um século, contra os afro-americanos, e o que hoje acontece contra os cidadãos dos países muçulmanos em virtude do "Patriot Act"); que os governos conduzam políticas cujas consequências revelar-se-ão desastrosas para todo o sector da sociedade (é actualmente o caso, em numerosos países europeus, contra os imigrantes "sem papéis").

Num tal contexto democrático, os jornalistas e os meios de comunicação social frequentemente consideraram como um dever essencial denunciar estas violações dos direitos. Às vezes, pagaram-no muito caro: atentados, "desaparecimentos", assassinatos, como se constata ainda na Colômbia, Guatemala, Turquia, Paquistão, Filipinas e noutros lugares. É por esta razão que por muito tempo se tem falado do "quarto poder". Este "quarto poder" era em definitivo, graças ao sentido cívico dos meios de comunicação social e à coragem de jornalistas audaciosos, o que dispunham os cidadãos para criticar, afastar, contrapor, democraticamente, decisões ilegais que podem ser iníquas, injustas e mesmo criminosas, contra pessoas inocentes. Era, disse-se frequentemente, a voz dos sem-voz.

Após uma quinzena de anos, à medida que se acelerava a globalização liberal, este "quarto poder" foi esvaziado do seu sentido, tem perdido gradualmente a sua função essencial de contra-poder. Esta evidência chocante impõe-se estudando rigorosamente o funcionamento da globalização, observando como um novo tipo de capitalismo tomou o seu desenvolvimento, também não simplesmente industrial, mas sobretudo financeiro, em resumo um capitalismo da especulação. Nesta fase da globalização, assistimos a uma brutal confrontação entre o mercado e o Estado, o sector privado e os serviços públicos, o indivíduo e a sociedade, o íntimo e o colectivo, o egoísmo e a solidariedade.

O poder verdadeiro é doravante detido por um feixe de grupos económicos planetários e de empresas globais cujo peso nos assuntos do mundo aparece às vezes mais importante que o dos governos e os Estados. São eles os "novos senhores do mundo" que se reunem cada ano, em Davos, no âmbito do Fórum económico mundial, e que inspiram as políticas da grande Trindade globalizadora: Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial e Organização mundial do Comércio.

É neste quadro geo-conómico que se produziu uma metamorfose decisiva no campo dos meios de comunicação social de massa, no coração da sua textura industrial.

Os meios de comunicação de massa (estações de rádio, imprensa escrita, cadeias de televisão, Internet) agrupam-se cada vez mais no seio de arquitecturas abundantes para constituir grupos mediáticos de vocação mundial. Empresas gigantes como News Corpo, Viacom, AOL Time Warner, eral Electric, Microsoft, Bertelsmann, United Global COM, Disney, elefónica, RTL Group, a França Telecom, etc), têm doravante novas possibilidades de expansão devido às perturbações tecnológicas. A "revolução numérica" quebrou as fronteiras que separavam anteriormente as três formas tradicionais da comunicação: som, escrita, imagem. Permitiu o aparecimento e o desenvolvimento da internet, que representa um quarto modo de comunicar, uma nova maneira de se exprimir, de se informar, de se distrair.

Depois, as empresas mediáticas são tentadas a constituírem "grupos" para reunir no seu seio todos os meios de comunicação social clássicos (imprensa, rádio e televisão), mas também todas as actividades a que poderíamos chamar sectores da cultura de massa, da comunicação e da informação. Estas três esferas eram até há pouco autónomas: por um lado, a cultura de massa, com a sua lógica comercial, as suas criações populares, os seus objectivos essencialmente mercantis; por outro, a comunicação, o sentido publicitário, o marketing, a propaganda, a retórica da persuasão; e por último, a informação, com as suas agências de notícias, os boletins radiodifundidos ou emitidos por televisão, a imprensa, as cadeias de informação contínuas, em resumo, o universo dos jornalismos.

Estas três esferas, antes tão diferentes, são gradualmente encaixadas para constituir uma só e única esfera ciclopiana no seio da qual se torna cada vez mais difícil distinguir as actividades que são da competência da cultura de massa, da comunicação ou da informação. Além disso, estas empresas mediáticas gigantes, estes produtores em cadeia de símbolos multiplicam a divulgação de mensagens de todo o tipo, onde se misturam televisão, desenhos animados, cinema, jogos de videos, CDs musicais, DVDs, edição, aldeias temáticas do tipo Disneylândia, desporto-espectáculo, etc.

Por outras palavras, os grupos mediáticos possuem doravante duas características novas: em primeiro lugar, ocupam-se de tudo o que é da competência da escrita, de tudo o que é da competência da imagem, de utdo o que é da competência do som, e difundem-no através dos canais mais diversos (imprensa escrita, rádios, televisões hertzianas, cabo ou satélite, via Internet e por todas as espécies de redes numéricas). Segunda característica: estes grupos são mundiais, planetários, globais e não somente nacionais ou locais.

Em 1940, num célebre filme, Orson Welles atirava-se "ao poder" de "Citizen Kane" (na realidade, um magnata da imprensa do início século XX, William Randolph Hearst). No entanto, comparado com os grandes grupos mundiais de hoje, o poder de Kane era insignificante. Proprietário dalguns jornais de imprensa escrita num único país, Kane dispunha de um poder anão (sem ser portanto desprovido de eficácia à escala local ou nacional), face aos arqui-poderes dos mega-grupos mediáticos do nosso tempo.

Estas hiper-empresas contemporâneas, por mecanismos de concentração, apreendem-se dos sectores mediáticos mais diversos de numerosos países, em todos os continentes, e tornam-se assim, pelo seu peso económico e pela sua importância ideológica, em actores centrais da globalização liberal. A comunicação (compreendendo a informática, a electrónica e a telefonia) sendo a indústria pesada do nosso tempo, estes grandes grupos procuram alargar a sua dimensão por incessantes aquisições e fazem pressão sobre os governos para quebrar as leis que limitam as concentrações ou impedindo a constituição de monopólios ou de duopólios.

A globalização, é por conseguinte também a globalização dos meios de comunicação social de massa, da comunicação e da informação. Preocupados sobretudo pela continuação do seu gigantismo, forçado a fazer a corte aos outros poderes, estes grandes grupos não se propõem mais, como objectivo cívico, ser um "quarto poder", nem denunciar os abusos contra o direito, nem corrigir os disfunções da democracia para poluir e aperfeiçoar o sistema político. Não desejam sequer erigir-se em "quarto poder" e ainda menos agir como um poder.

Quando, se for caso disso, podem constituir um "quarto poder", este acrescenta-se aos outros poderes existentes (político e económico) para esmagar por sua vez, como poder suplementar, como poder mediático, os cidadãos.

A questão cívica, que nos é colocada doravante, é esta: Como reagir? Como se defender? Como se opor à ofensiva deste novo poder que, em certa medida, traiu os cidadãos e passou com armas e bagagens ao inimigo?

Ignacio Ramonet in Le Monde Diplomatique