2007/01/17

Portugal na rota da modernidade

Faço parte de um grupo que acredita numa sociedade solidária, onde os direitos se exercem em igualdade. Acredito que a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez, levando a que qualquer mulher a possa fazer no Serviço Nacional de Saúde, coloque todas as mulheres em situação de igualdade.

Todos sabemos que as mulheres com recursos económicos têm direito a abortar quando e onde quiserem (quem já não ouviu falar em Badajoz?), ao contrário das mulheres esmagadas pela miséria, pelo excesso de filhos, pela brutalidade dos maridos que muitas vezes as impedem de usar métodos contraceptivos. Quem já não ouviu falar nas agulhas de croché, na água com sabão, feito sem as mínimas condições de salubridade? Há ainda alguém que não saiba que isso continua a ser praticado levando à morte tantas mulheres, que acabam por deixar filhos pequenos sem amparo? Se falarmos em desmancho, as mentes sensíveis conseguem encarar a realidade? As famosas ervas, tomadas pelas gerações anteriores, foi por serem insensíveis?

Acaso alguém é contra a vida? Não acredito. Acho que continua a existir a desinformação, continua a haver uma forma desonesta de perseguir, criminalizar e discriminar as mulheres. Será que alguém fica indiferente às imagens de fetos, apanágio dos que são pelo não? Insistem, persistem, fazem acreditar que o obscurantismo é a solução em defesa da vida. O que os preocupa é a perseguição às vítimas.

Somos o único país da União Europeia onde a sida continua a crescer, temos taxas elevadíssimas de gravidez na adolescência, mas a igreja continua a demonizar todos os métodos anticoncepcionais. Há um profundo desrespeito pelos direitos humanos. Nenhum outro país europeu senta mulheres no banco dos réus por prática de aborto. Existe a brutalidade nua e fria da pátria autista, em relação à humilhação que sofrem as mulheres que não tiveram outra solução. Tenho a certeza de que não há nenhuma mulher que tenha prazer em abortar. Impera a hipocrisia que “compreende o sofrimento”, mas que não muda a lei em nome de uma vida, que muitas vezes acaba dentro de sacos de plástico. Custa ouvir a verdade? Pois custa. Pior é não aceitar o aborto legal, seguro, quando sabemos da existência de 18 mil casos por ano, quando sabemos que nos países onde o mesmo não é crime, a taxa de aborto desceu.

É urgente uma cultura de responsabilidade, não deixar que os 68,5% de abstenção de 1998 venham ensombrar este referendo. Diz-nos a todos respeito independentemente do que pensa o padre, o marido, a vizinha, a tia reumática.

Acredito num futuro transparente. No dia 11 de Fevereiro votarei pelo sim, para ter a certeza de que as minhas filhas já não terão que assistir a esta cruzada medieval contra a dignidade das mulheres. Não quero que sintam vergonha de viver num país que coloca as mulheres na clandestinidade do sofrimento. Quero que façam parte de um Portugal que já se encontre na rota da modernidade.

Júlia Correia
Núcleo do BE de Miranda do Corvo