2006/06/06

intervenção de Alda Macedo

Queremos discutir modelos de avaliação que valorizem o desempenho dos professores

Hoje, que é o Dia Internacional da Criança (dia 1 de Junho) faz todo o sentido colocar a educação das crianças e dos jovens no centro do debate parlamentar, trazendo à discussão a política educativa do governo, muito particularmente para rejeitar a forma desastrosa como a Ministra da Educação transforma o que devia ser uma política mobilizadora para resolver os graves problemas da educação com que o país se defronta, numa ofensa para com os profissionais que dão corpo e rosto a essa política. Romper com o cerco de anos de um modelo de desenvolvimento fundado na exploração intensiva do trabalho precário pouco qualificado que conduziu Portugal a uma extraordinária fragilidade obriga a equacionar seriamente o papel da escola pública e obriga a um programa concertado da sua qualificação. Obriga, sobretudo à resolução dos problemas maiores com que nos defrontamos hoje e que no essencial se traduzem em baixos níveis de proficiência cognitiva, elevadas taxas de insucesso escolar e elevadas percentagens de abandono escolar precoce. Só uma escola pública de qualidade pode começar a resolver estes problemas. Insucesso e exclusão são os grandes males de que padece a educação em Portugal. Tratar os professores como se de um bando de malfeitores se tratasse não só não resolve nenhum destes problemas como resulta na desvalorização da sua função social e no agravamento da sua desmobilização.
O que a Ministra da Educação está a fazer é o mesmo que um realizador de cinema que matasse a sua personagem principal. Sem ela o realizador fica sem argumento. Sem professores a Ministra da Educação fica sem actores que levem a cabo aquilo que precisa de ser uma reforma profunda mas também agregadora, mas também responsabilizadora de todos os intervenientes na educação. A escola não resolve sozinha os problemas que decorrem da pobreza extrema, da exclusão social, do desemprego, da violência desumanizada das nossas cidades. Não só não os resolve como é ela mesma a primeira vítima e é ela mesma que reflecte os primeiros sinais do agravamento das contradições sociais em que vivemos. Contudo, não sendo a solução milagrosa de todos os males, ela é um parceiro fundamental na promoção de progresso, de coesão, de emancipação.
Não existe transformação social sem conhecimento nem técnica; não existe transformação social sem arte nem criatividade; não existe transformação social sem sentimentos nem afectos. Revalorizar a educação é por isso a chave de qualquer projecto de desenvolvimento. Para tanto é essencial que a escola recupere um sentido e um valor para aquilo que são as suas competências específicas no campo da educação. Não basta produzir pequenas reformas que podem dar pequenos passos para produzir pequenas mudanças. E isso foi tudo o que o Governo conseguiu produzir ao longo deste ano de governação. Falta todo o resto, falta atribuir um valor real aos saberes de forma a ser capaz de seduzir as crianças, os jovens e os adultos para essa extraordinária aventura que é a descoberta do conhecimento. Falta tornar a escola numa escola verdadeiramente inclusiva, que não desiste de nenhuma das suas crianças, que conhece e interpela as comunidades onde está inserida. Falta desenhar projectos educativos que se dirigem a todos e a todas mesmo às pessoas que já desistiram de ter um projecto de vida. Tudo isto é o que falta para colocar a educação na fasquia mais alta da exigência. E tudo isto está por fazer. Não vale vir a Ministra da Educação e fazer batota ao jogo, transferindo responsabilidades pela falência da organização escolar e do poder político exclusivamente para os professores, injuriando toda uma classe pelo caminho.
Queremos uma escola exigente, uma escola exigente tem que ter profissionais de grande qualidade. Por isso, quando hoje discutimos as escolhas para a carreira docente acusamos as propostas do governo de não cumprirem essa finalidade fundamental: a de colocar a qualificação dos docentes no centro das medidas propostas. Queremos discutir modelos de avaliação que valorizem o desempenho dos professores, que lhes confiram responsabilidade, que reforcem a sua profissionalidade e que reconheçam a importância e o peso social do seu desempenho. No entanto não é possível equacionar modalidades de avaliação se não forem paralelamente equacionados os modos e modelos de formação inicial e contínua, bem como a forma de certificar as entidades formadoras que têm responsabilidade nesta área. Assim como não é possível equacionar um modelo de avaliação que não corresponda a um reconhecimento sistemático da qualidade do desempenho. Não nos conformamos com soluções fáceis e populistas como as que o governo colocou em cima da mesa. Deixar os professores reféns de pressões individuais dos pais ou dos resultados dos alunos dá a aparência de promoção da participação mas não é outra coisa que não seja um exercício de deformação do papel da avaliação, demolidor da decência mais elementar. Conhecemos o papel perverso que os rankings das escolas desempenharam. Sob a capa de transparência de informação tiveram um papel determinante no agravamento de processos de guetização das escolas. Conceber a avaliação dos professores e a sua progressão na carreira dentro da mesma lógica teria como resultado a criação de guetos dentro de guetos e seria extraordinariamente demolidor para a escola pública. A avaliação dos professores tem que ser instrumento para a retribuição das boas práticas pedagógicas e didácticas, tem que ser ao mesmo tempo um instrumento de aferição das necessidades de formação e de correcção de escolhas e percursos, assim como não pode deixar de ser equacionada na relação dinâmica entre o docente enquanto indivíduo e enquanto parte de uma organização complexa. Não é possível portanto aceitar um modelo de avaliação que tem um objectivo escondido que é o de conter e retardar o acesso dos docentes aos níveis mais remunerados da carreira docente. A defesa da escola pública não pode ficar limitada a declarações generosas de intenções que não correspondem às políticas que produzem. A escola pública é o garante da democracia em educação, ela é território privilegiado para colocar a educação ao serviço do desenvolvimento, por isso é indispensável que o mesmo grau de exigência de qualidade que lhe conferimos seja conferido à políticas educativas onde não pode haver lugar para cedências nem para a ausência de rigor nem para facilidade populista das propostas, e muito menos para a generalização da culpabilização dos professores que devem ser protagonistas privilegiados da mudança.